segunda-feira, setembro 18, 2017

O encontro de dona Marisa com Brizola e Jango

Nos poucos dias que passei em Buenos Aires, me desliguei do Brasil. Na volta, só confirmei a certeza que tinha: nossos dias nunca serão como antes. De uma hora para outra, tudo muda. Quem estava preso foi solto. Quem estava solto, agora está preso. Enquanto procuradores batem cabeça, advogados enriquecem e juízes não sabem mais o que fazer com os delatores: lá fora viramos piada. 

Diante tantas incertezas e por estar na Argentina, me veio a lembrança João Goulart. Segundo relato do seu filho João Vicente,  Jango sempre sonhou que um dia voltaria ao país que tanto amava. No final da tarde costumava sentar na barranca do rio Uruguai, do lado argentino, e lá ficava horas olhando para São Borja, sua cidade natal.  Jango só voltou para o Brasil morto. Seu corpo foi liberado para ser enterrado em São Borja.

Pois foi esse Jango que D. Marisa procurou lá onde ela se encontra. Indignada com o "testemunho voluntário" de Palocci ao juiz Moro,  dona Marisa se encontrou com Brizola e Jango para conversar.  Se encontraram sobre a sombra de uma árvore, local preferido dos cunhados, onde os dois costumam  matear e jogar conversa fora.  Dona Marisa, que sempre teve um pé atrás com Brizola, não perdeu tempo. Foi logo abrindo o jogo: "vocês dois, que já passaram por tudo, tiveram a vida virada de cabeça para baixo, sofreram todo o  tipo de constrangimento e perseguição,  podem me dizer as razões do Palocci para atacar o Lula. O dinheiro do Lula, quem controlava era eu. Conta no exterior nunca teve, 300 milhões da Odebrecht nunca houve, terreno, sítio, apartamento por conta de um pacto de sangue com os Odebrecht, só da cabeça do Palocci. Por que essa traição agora?"(*)

Brizola, de pronto respondeu a dona Marisa: "Palocci entrou no jogo das delações. Prendem e depois negociam reduções das possíveis penas. Por isso falam o que querem ouvir. As provas, se é que existem,  ficam para depois. Tem sido assim dona Marisa, lá na República de Curitiba".

Jango que a tudo ouvia, também deu sua contribuição: "Veja dona Marisa o que fizeram com a Dilma. Sem nenhum crime de responsabilidade que justificasse o impeachment, se juntaram e deram um golpe. Seus algozes estão na cadeia, ou a caminho dela. O lado podre do Congresso, decisivo nesse processo, já está de olho em 2018. Parte da sociedade que batia panela nas suas varandas  gourmets, não sabe o que fazer com as panelas." Depois de um prolongado silêncio, Jango conclui: "Regredimos, dona Marisa....regredimos". E segue associando o passado ao presente:

"Eu pelo menos me afastei para evitar uma guerra sangrenta entre irmãos. Não eram panelas que batiam, eram armas que atiravam. Embora tenha sofrido muito, não me arrependo da decisão que tomei. Pior foi o  que fizeram com Dilma: não aceitaram o resultado da eleição e tudo  fizeram para afastá-la. Quem ainda está em dúvida, que pergunte ao Aécio, ao Cunha, Temer, Moreira Franco, Rodrigo Maia, Geddel e tantos outros. Os interesses que eles representam, não são os nossos dona Marisa. Eles governam para os de sempre. Por isso não nos querem. Como falta voto: se juntam , manipulam e traem."

Quem de certa forma pensa assim, é o escocês Angus Deaton, Nobel de Economia em 2015. Sem saber desse encontro lá em cima de dona Marisa, Jango e Brizola, ele está aprofundando seus estudos e escrevendo sobre pobreza, consumo e bem-estar. Professor da Universidade de Princeton, uma das mais importantes dos EUA, se diz um estudioso "cautelosamente otimista". Embora não cite o Brasil, "está convencido que não há igualdade de oportunidades e que as decisões políticas estão sob o domínio da elite financeira, num processo que reforça o enriquecimento do 1% mais rico e ameaça a democracia".  Portanto, que não se perca no tempo os ensinamentos de Deaton. Principalmente, em relação a democracia. O impeachment de Dilma e suas consequências, não pode cair no esquecimento. O que ocorreu precisa ficar registrado e fazer parte da nossa história. 

(*) Lula, Brizola e Jango, em momentos distintos, tiveram suas vidas e suas casas reviradas. Quanto a Lula, até hoje não provaram nada. Não apareceu uma conta no exterior, como a do Cunha, uma mala de dinheiro, como a do Rocha Loures, um apartamento  virado em cofre, como o do Geddel. Sobre Brizola e Jango, nada de ilícito foi  encontrado. Seus bens, sempre tiveram origem: herança de família. Jango e Neusa Goulart Brizola eram irmãos. Seus pais, grandes  fazendeiros no Rio Grande do Sul. 

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