domingo, abril 14, 2024

Soy loco por ti, América

O título "Soy loco por ti, América", pode ser uma canção do Caetano Veloso, ou a exclamação de um latino na tríplice fronteira, Argentina, Brasil, Paraguai, encantado com as Cataratas do Iguaçu. Ou quem sabe, um ato de saudosismo, uma declaração sobre a importância da nossa integração, na abertura de uma sessão do Parlamento do Mercosul, numa tarde fria com o vento sul batendo forte na Rambla, em Montevidéu. Enfim, resumindo: pode ser o que você quiser.

No momento atual de grandes incertezas sobre o Tratado Mercosul/União Europeia, a recente eleição de Milei na Argentina, a invasão na Embaixada do México na Bolívia, a próxima eleição na Venezuela, acompanhada das ameaças de invasão a Guiana, nos deixam de certa forma apreensivos. Sem falar no Brasil, o maior país e a maior economia da região, que precisou de uma resposta rápida para evitar que um novo golpe militar ressuscitasse, depois de seis décadas de democracia e liberdade.  

Nosso sangue latino nos faz ser apaixonados por essa terra a ponto de estarmos atentos para que nada de ruim nos aconteça. Num passado distante boa parte das nossas riquezas foram levadas daqui; num tempo mais recente ditaduras violentas se espalharam por nossa região. Como somos "hermanos", não queremos guerras e conflitos entre nós. Valorar a democracia, defender eleições livres e transparentes, ajudam a pacificar o nosso convívio e nos assegurar a plena cidadania. O que nos falta é ter um pouco mais de unidade, como seria o natural na dinâmica em curso da nova geopolítica mundial. Os blocos se formam e se conversam na defesa de interesses comuns. Infelizmente, não é o que se passa por aqui. Um importante programa de integração regional se faz necessário. (*)

Nem sempre o que se pensa e se projeta acontece. Afinal, independente da nossa vontade os governos perderam espaço e os partidos políticos, com raras exceções, perderam força e credibilidade. Por outro lado, o que esperar de congressistas sem a menor noção de políticas públicas, que se fazem necessárias para atender as demandas básicas das populações empobrecidas. O mínimo que as pessoas esperam do Estado, saúde, segurança, educação e oportunidade de trabalho digno, elas não encontram. Basta acompanhar a economia da região para saber da crescente informalidade do emprego e a defasagem do salário mínimo,  que não atende as necessidades básicas em nenhum país da América Latina.

Outra situação que se agrava a cada ano, são as aposentadorias. Com exceção de algumas carreiras de Estado e das Forças Armadas, que ninguém mexe, o que a maioria dos aposentados recebe é uma vergonha. Salário Mínimo com ganho real e aposentadoria decente precisa ter mais atenção e ser tratado como prioridade. Sem dúvida é uma revolução no bom sentido, economistas diferenciados vêm ganhando espaço ao defenderem  a tese da "Renda Mínima". Quem não se lembra da luta histórica de três décadas do querido senador Eduardo Suplicy (PT/SP). O dinheiro quanto mais distribuído for, além de elevar a autoestima das pessoas oxigena a economia como um todo. 

O histórico desequilíbrio social que nos acompanha tem possibilitado o surgimento de "mitos e micos", que se aproveitam da desinformação para alimentar a aventura de um poder doentio. Quando isso acontece, podem ter certeza, o atraso vem junto. O que talvez esteja faltando nos dias de hoje, é o tempo do pensar: só ele pode nos aproximar de um projeto de nação que olhe para o futuro. Sem que haja uma consciência coletiva construtiva, que só virá através de uma comunicação responsável e de fácil compreensão, o risco de se perder a sonhada caminhada pela unificação da América Latina, infelizmente, é real. Para nós, ou se avança nessa direção ou seguimos esperando pelo futuro que não chega. 

(*) Pela experiência que tivemos, quando se fala em integração, é possível afirmar que no meio acadêmico não falta boa vontade e acolhimento. Quinze anos atrás criamos o Concurso eco-Lógicas, do Instituto IDEAL, com o intuito de nos aproximar das universidades da América Latina.  O objetivo, desenvolver pesquisa na área das energias alternativas. Depois de chegar a 14 países, por falta de apoio, tivemos que abandonar o concurso na sua nona edição. Se tivéssemos continuado estaríamos hoje na sua décima quinta edição e, provavelmente, presente em todo o continente americano. Com certeza seria um grande legado de integração regional nascido e criado em Floripa. De olho no futuro, UFSC e Instituto IDEAL fizeram a sua parte. 

 

        

segunda-feira, abril 08, 2024

Ditadura nunca mais, no STF: 11votos a ZERO

 

                                          Tentaram mas não levaram: ditadura nunca mais

Talvez o fato mais importante da semana que passou, foi a formação de uma sólida maioria contra o "poder moderador" das Forças Armadas. A esdrúxula tese nasceu quando os seguidores mais próximos do capitão, foto acima, perceberam que a eleição ocorreria, que as urnas eram seguras, e que os eleitores em sua maioria iam votar no primeiro e no segundo turno no Lula. Pelo menos não erraram na avaliação, foi exatamente isso que aconteceu. Diante da derrota - já prevista - por trás dos bastidores tudo fizeram para que o resultado das urnas não fosse validado. Até um golpe foi tentado.

Depois disso vem a história relatada pelo coronel Cid, que abalou o alto comando e expos o capitão e a sua turma a uma situação vexatória. Sem qualquer pudor e respeito a Constituição apelaram para o "poder moderador" das Forças Armadas. Algo que não se sustenta em qualquer país democrático. Certo está o ministro Flávio Dino, do Supremo Supremo Tribunal Federal, que nos lembrou no seu voto que não existe um poder militar. Pela Constituição as Forças Armadas estão subordinadas ao presidente da República. (*)

Num momento de preocupação com a nossa democracia, muito festejada após o resultado das eleições de 2022, é preciso registrar e comentar a importância de o STF sepultar o que as forças mais atrasadas e reacionárias pretendiam trazer para o palco das narrativas e armações antidemocráticas. O governo constituído é civil, ponto final. Os militares não estão autorizados a moderar conflitos entre os Poderes da República. Diante das movimentações suspeitas na região, a posição unanime do Supremo veio em boa hora. 

O Brasil por muito tempo esteve nas mãos dos militares, foram duas décadas de uma dura repressão. Até agora não se sabe tudo que passou, já os militares sabem e pelo jeito gostaram. Sem nenhuma tensão de fronteira, o Brasil é a segunda maior força militar da América, ficando atrás apenas dos EUA. Ao que consta no recente episódio da tentativa de golpe a cúpula militar pró golpe chegou a sondar o governo Biden sobre suas intenções, mas não houve acolhimento. Sempre é bom lembrar que por lá esse ano tem eleições. 

Portanto, é bom estar atento. Quando a luta pelo poder é insana, as armadilhas brotam do nada. As redes sociais proliferaram e funcionam sem qualquer controle. Aliás, é o que vem fazendo o dono delas durante toda a semana. Elon Musk, que nem cidadão brasileiro é, definiu como seu inimigo mortal, Alexandre de Moraes. Patético, uma coisa é a  liberdade de expressão, um dos principais pilares da democracia, outra coisa é a mentira e a má fé soltas por aí nas redes sociais. A posição do Supremo é uma garantia para a nossa jovem democracia:  ditadura nunca mais. (**)

(*) Para os que conviveram com o grande artífice da Constituição, o saudoso Ulisses Guimarães, sua aversão à ditadura esteve sempre presente na Carta Magna. Nada  de diferente poderia vir do Supremo Tribunal Federal. 

(**) No dia 8 de abril de 2024, a decisão tomada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, sem vacilos, por unanimidade, acaba com qualquer possibilidade de golpistas de plantão se utilizarem de artifícios obscuros para darem as Forças Armadas o poder moderador.  Se encerra assim mais uma tentativa escandalosa de se apoderar da vontade soberana do povo.

PS - Milei vem dando sinais de pautar a ditadura sangrenta que o povo argentino enfrentou, como algo positivo. Não foi por acaso que escolheu como vice, Victoria Villaruel, filha de um militar envolvido na dura repressão ocorrida na Argentina.  O exército argentino não se recuperou da Guerra das Malvina, está sucateado e militarmente enfraquecido. Com o país economicamente falido e sem apoio político, Milei busca reverter o jogo criando situações midiáticas descabidas.    

  

quarta-feira, março 27, 2024

Instituto IDEAL, um ciclo que se encerra

                          Mauro Passos, presidente do Instituto IDEAL - Elase (Foto: Gastão Cassel)

Na sexta- feira, 22, os sócios fundadores do Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas da América Latina, o IDEAL, se reuniram em assembleia para deliberar sobre o futuro da entidade. Afinal, foram 17 anos de um trabalho voluntário para desenvolver conhecimento e promover as energias alternativas na América Latina, que teve início, meio e fim. A resolução aprovada, por unanimidade, pela assembleia foi de que o Instituto IDEAL cumpriu com o seu objetivo de forma exitosa encerrando um ciclo.

Criado em 12 de fevereiro de 2007, com sede em Florianópolis, o Instituto trazia uma dose elevada de ousadia no seu próprio nome. Na época, para muitos, uma viagem no tempo: o sol como fonte de energia na América Latina. Tudo aconteceu quando fui eleito deputado federal pelo PT/SC (2002/2007). Pela formação profissional veio como opção natural ser membro das Comissões de Minas e Energia, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente. Logo depois o convite para fazer parte do Grupo de Estudos Especiais do Congresso Nacional e com ele a possibilidade e a legitimidade de organizar o primeiro grande seminário sobre energia solar fotovoltaica no Brasil. 

Como palestrante convidado o saudoso deputado federal da Alemanha, Hermann Scheer, na época a personagem política que deu visibilidade para a energia solar fotovoltaica na Europa e nos demais continentes. Sua eloquência e determinação ao pautar o sol como a energia do futuro, mudou o mundo. No nosso caso em particular, o convencimento foi imediato. Ele nos mostrou que o sol e a nossa boa insolação, em pouco tempo fariam do Brasil uma liderança na América Latina. 

Hermann sempre teve uma relação de afeto com o Instituto IDEAL, criado à semelhança da Eurosolar, seu braço organizativo não governamental com sede em Bonn, com intuito de desenvolver pesquisa e desenvolvimento no setor solar fotovoltaico. Por aqui, o pouco conhecimento que se tinha estava limitado a algumas universidades públicas como a UFSC, USP, UFRGS e a Federal do Pará. No campo das universidades privadas, a PUC/RS também se destacava. Todas tinham nos seus quadros professores pesquisadores com doutorado no exterior. Só que na vida real, a energia solar fotovoltaica era confundida com as placas colocadas nos telhados que aqueciam a água através do calor do sol.

Infelizmente, Hermann faleceu em 2010 e não viu suas projeções se confirmarem. Os avanços na legislação, os concursos de pesquisa e desenvolvimento que promovemos em vários países da América Latina, fazem parte do nosso legado e da nossa história. Só que é um ciclo que se encerra. Não se tem mais 17 anos para se criar algo. Os desafios estão batendo na porta e as respostas tem que ser imediatas. As mudanças climáticas, um modelo mais sustentável de desenvolvimento, a transição energética, a descarbonização, a proteção de mangues e nascentes de água e matas e florestas, vão estar no centro dos grandes debates globais. Quem tiver consciência da extensão e da gravidade dos desafios que nos esperam tem que se disponibilizar. O tempo não para.

Como aconteceu com a energia solar, qualquer participação voluntária precisa de motivação. Quando um ciclo se encerra, outro deve começar. O melhor caminho é encontrar o que ainda está por vir. Certificar crédito de carbono, por exemplo, entender os efeitos das mudanças climáticas e seus impactos na vida das pessoas, preservar as matas, reimplantar árvores, cuidar das nascentes e dos mangues, é o que vem fazendo Carlos Alberto Tavares Ferreira, da Carbon ZERO, a mais de uma década. O novo ciclo que ora se inicia, a motivação veio dele: o patrimônio ambiental tem que ser preservado e remunerado. Plantar uma árvore e cuidá-la tem que valer mais que derrubá-la. Só em Santa Catarina identificamos cerca de 150 mil pequenas propriedades que poderiam agregar renda através de uma política púbica de cuidado e preservação do meio ambiente. Imaginem essa ideia se espalhando pelo Brasil.  

 

quarta-feira, março 13, 2024

Santa Catarina, as mudanças climáticas e seus efeitos

 

       Jurerê, praia alargada. O aviso é da prefeitura. Só que o mar vem buscar o que é dele 

O recente estudo sobre a redução do desmatamento na Mata Atlântica, nos envergonha: Santa Catarina é o estado da Região Sul que menos reduziu seus índices de desmatamento. Na área urbana, uma cidade da importância de Rio do Sul passou por cinco grandes inundações num único ano. Um verdadeiro descaso com as pessoas que convivem com essa tragédia anunciada. No litoral as medidas para combater o aquecimento do mar, não passam de paliativos. A moda agora é engordar as praias (foto acima). Para completar o combo que alimenta os impactos das mudanças climáticas em Santa Catarina, as usinas térmicas a carvão em Capivari de Baixo ganharam uma sobrevida até 2040. (*) 

Independentemente de quem votou em quem, a desatenção em curso com as mudanças climáticas, nos apequena como sociedade. Como toda agenda de governo focada em atender demanda de alguns setores, sem ouvir o todo, a de Santa Catarina não é nada transparente. De tal forma que acaba comprometendo ainda mais a imagem de um estado que procura se apresentar como diferenciado. Se enganam, pois são políticas públicas qualificadas e debatidas que podem dar suporte a pujança de um estado. Vide o caso de Rio do Sul, como promover um evento para falar de novos investimentos, empregos verdes, crescimento sustentável, tecnologia de ponta - se a cidade continua refém das chuvas. 

A boa reflexão, precisa estar sempre presente, não tem hora nem lugar. Ela nos faz pensar e nos permite absorver conhecimento e discernimento. No passado em plena ditadura, tinha uma música do Raul Seixas, Maluco Beleza, que falava em lucidez. Na época, uma ousadia, um jovem se manter lúcido para poder entender o mundo hostil e bruto que o cercava. Seis décadas se passaram, a brutalidade continua presente e a lucidez diuturnamente atacada pelas redes sociais. Não tem futuro sem que a sociedade se alimente da lucidez.

O agravamento das mudanças climáticas mesmo sendo parte da responsabilidade de nós mesmos, as causas e os efeitos se confundem com fenômenos naturais. O enfrentamento também é de nossa responsabilidade. Sem essa reflexão e o convencimento advindo dela, Rio do Sul continuará sujeita a novas enchentes, os mangues não serão preservados e as matas continuarão sendo derrubadas. Essa constatação, que deveria nos incomodar profundamente, são poucos os que se preocupam.  

Depois de 17 anos de um trabalho voluntário à frente do Instituto IDEAL, promovendo a energia solar o que era para ser feito, está feito. A energia solar é a fonte de energia que mais cresce no Brasil e no mundo. A caminhada começou em 2007 dando uma palestra para as crianças na Escola Sarapiqua, em Florianópolis. Sempre tivemos nas nossas ações a compreensão que era através dos jovens que devíamos começar. Deu certo, depois vieram: as escolas, universidades, federação das industrias, centros de pesquisa, palestras nos bancos de fomento, nas Embaixadas do Brasil em quase todos os países latinos, nos EUA  e em boa parte dos países europeus.

Com muito esforço conseguimos levar o Concurso ECO- Lógicas, de pesquisa e desenvolvimento nessa área, para o mundo acadêmico, premiando trabalhos desenvolvidos em mais de uma dezena de países da América Latina, que sempre foi nosso principal foco. No próximo dia 22 de março, está convocada a Assembleia Extraordinária, onde vamos propor aos sócios fundadores do Instituto IDEAL, o fim de um ciclo exitoso que passa agora pelo fechamento das nossas atividades. 

Novos desafios como as mudanças climáticas estão batendo na porta. A humanidade vem sentindo com preocupação seus efeitos cada vez mais devastadores. O problema já devidamente identificado, é global. Só que as soluções locais não acontecem. A situação de Rio do Sul, já citada, é vexatória. Santa Catarina precisa agir localmente e rapidamente. Na última semana araucárias foram envenenadas em Chapecó, milhares de outras foram afogadas pelos reservatórios das barragens. A devastação ambiental entorno do anel viário na região metropolitana de Florianópolis, é gigante. 

Nosso próximo compromisso vai ser um olhar para a proteção ambiental e construir parcerias que agilizem o processo, agregando conhecimento e reconhecida expertise. Não se tem mais o tempo como se teve para introduzir a energia solar na nossa matriz energética. As bruxas estão soltas, os mangues estão ameaçados e podem ser aterrados, as araucárias correm o risco de continuarem sendo envenenadas, os fortes ventos e chuvas intensas podem estar se formando.

Com intuito de ganhar tempo estamos em tratativas com a Carbon ZERO, de Carlos Alberto Tavares Ferreira, de São José dos Pinhais, para uma parceria. Já estivemos na Comissão de Meio Ambiente e Turismo da ALESC, a convite do presidente da Comissão, o deputado @marquito.sc, para apresentar a capacitação técnica da Carbon ZERO e em que projetos poderíamos  contribuir para que políticas públicas avancem na proteção ambiental. Santa Catarina tem aproximadamente 150 mil pequenas propriedades rurais, onde a família poderia agregar renda por proteger a mata que está dentro da sua propriedade. 

(*) Segundo o jornalista Marcelo Leite, um escândalo que ganhou uma página inteira na FSP, de  5/6/2022. Por trás de tudo, o lobby da Associação Brasileira do Carvão Mineral.   

PS - Ressaltando: se alguém injeta veneno numa araucária, como ocorreu em Chapecó, para ganhar dinheiro com a madeira das árvores que matou, porque não receber através de crédito de carbono uma determinada renda para proteger os ativos ambientais que tem na sua propriedade. Isso só vai ocorrer através da conscientização do agricultor lá na ponta e de políticas públicas bem debatidas na ALESC. A sociedade agradece.   

  




quarta-feira, março 06, 2024

Mudanças climáticas, se há um consenso é que o mar está subindo

Os sinais da natureza estão dados, tanto no hemisfério Norte, como no Sul. Com altas temperaturas e grandes incêndios, frio intenso e fortes chuvas, geleiras derretendo e o nível do mar subindo, as mudanças climáticas e suas consequências estão entre nós.  As informações que nos chegam, não encontram respostas com a mesma velocidade e racionalidade. Não se trata só de uma ação tardia às ameaças locais, mas ficamos reféns de desastres ambientais crescentes em intensidade e bem mais frequentes no tempo. (*)

Para quem mora numa ilha cercada de praias, mangues, lagoas e dunas, a proteção ambiental das belezas naturais que encontramos em Florianópolis, deveria ser uma obsessão - compromisso de cada cidadão. Ao contrário do que alguns insistem em rotular novas visões de cidade, proteger não significa congelar o desenvolvimento. Os melhores indicadores de urbanismo, mobilidade, meio ambiente e qualidade de vida, se encontram justamente em cidades que se diferenciam da mesmice. (**)

Quando as gestões se perpetuam através de compromissos obscuros, a primeira coisa que acontece é o fim do diálogo. O poder público passa a se aproximar e dialogar com os interesses do capital privado. A transparência tão desejada pelos munícipes desaparece, e o silêncio vira regra. Os mal feitos são acobertados pela maioria dos vereadores e a cidade deixa de ser a cidade que se quer. Talvez por ter sido duas vezes vereador na capital, a constatação que ora relato - me incomoda profundamente.

Quem acompanha o blog de Olho no Futuro, sites de notícias e redes socais, sabe das preocupações que expresso nas publicações. Recentemente a Ilha que todos conhecem e se encantam, está passando por um processo de engordamento das suas praias. Como se trata de um projeto que interfere diretamente no movimento do mar, que como sobe desce, pelo alto custo e pelas modificações que está causando, a iniciativa deveria ser melhor debatida com a sociedade. Os prefeitos podem se achar, mas não são donos das cidades. Muitos quando deixam o cargo, o legado que fica é uma cidade desfigurada.

Já estamos na terceira praia que passa por esse processo de alargamento, sem que se tenha informações detalhadas e oficiais sobre o que está acontecendo. Como um ex-vereador interessado no tema e comprometido com a cidade e seu futuro, todo o sábado passo em Jurerê Internacional para acompanhar a obra (foto abaixo). No último dia 2, uma novidade no cenário, um largo e profundo canal cortando parte da praia já aterrada. Não se sabe se foi água da chuva represada, se é água não tratada despejada de forma criminosa, ou até mesmo uma necessidade da obra. Ao fundo aparece a draga botando areia. O que se busca é informação, que aliás é obrigação de qualquer gestor público.                      


A um quilômetro dali uma situação inversa chama a atenção de qualquer um. Em Canajurê, onde ficam as marinas, a praia foi totalmente modificada. A movimentação do mar está retirando o aterro que fizeram para alargar a praia de Canasvieiras e botando a areia em Canajurê. Como consequência a praia ficou larga e perdeu profundidade. Só pra exemplificar o estrago as lanchas estão impedidas de atracarem no velho trapiche que está ali a mais de trinta anos. Pelo silêncio que reina entorno do assunto, algo a encobrir deve ter. (foto abaixo)                    


(*) Rio do Sul, cidade polo de uma importante região, passou por cinco enchentes em um ano.

(*) As capitais do Texas e do Wisconsin, Austin e Madison, se encontram na lista das melhores cidades para se viver nos EUA. Entre os principais motivos: suas universidades, ambas entre as 100 melhores do mundo, a integração vida acadêmica/comunidade, novos negócios/empregos e urbanismo focado na qualidade de vida das pessoas. Conheço bem as duas. 

quinta-feira, fevereiro 29, 2024

Rio (10/4/1984) X Av. Paulista (25/2/2024), que retrocesso ...

       Leonel Brizola e Tancredo Neves discursam pelas DIRETAS no centro do Rio (10/4/1984 )
                                              Vidal da Trindade - Acervo CPDoc FGV

Quis o destino que em 1984 fosse com a família estudar no Rio de Janeiro. Em função do que fazia na Eletrosul, fui fazer os créditos do mestrado em planejamento energético na COPPE/UFRJ. Por uma feliz coincidência um ano de muita agitação política. A sociedade estava tomada por um sentimento de liberdade, motivada pela campanha das DIRETAS JÁ. De janeiro a abril daquele ano, o povo estava nas ruas. Grandes nomes da política arrastavam multidões. Segundo informações coletadas, mais de 5 milhões de brasileiros participaram das manifestações. O Rio era o grande palco. (*)

No dia 10 de abril a cidade parou. No final da tarde mais de um milhão de pessoas concentraram na Avenida Presidente Vargas. Queriam ouvir os seus líderes, queriam exercer a cidadania. Naquela época não havia nada que facilitasse a chegada dessa multidão: não tinha caravana de ônibus, lanche para o povo, voucher deslocamento e outros atrativos. Quem estava ali, queria ter o direito de votar para presidente da República. No ar daquele fim de tarde e chegada da noite, se respirava liberdade.

O tempo passa, mas as imagens daquele dia 10 não me saem da lembrança. Às vezes me pergunto, como se formou aquela multidão. Quem eram aquelas pessoas, de onde vieram, como ocuparam a Presidente Vargas de ponta a ponta. Não havia celular, o primeiro foi lançado em 1990. Internet, nem pensar. Redes sociais, Whats App, robôs propagadores de notícias falsas, pra época tudo pura ficção. (**)

Na Avenida Paulista, domingo, 25, acompanhando os novos tempos da política do maniqueísmo, as manifestações foram em prol da anistia dos condenados que agiram contra a democracia e os Poderes da República. Que tristeza, como regredimos. Os pronunciamentos vazios, sem qualquer conteúdo político ou preocupação com o futuro do país, não passavam de palavras de ordem para animar uma massa convocada para dar uma sobrevida a um mito desgastado e assustado.

Com todo o esforço que fizeram, apenas quatro governadores estiveram presentes. Três de olho no lugar do capitão, por ordem alfabética: Caiado, Tarcísio e Zema. Os outros que tiveram acesso a palavra, ou rezaram ou insultaram seus desafetos. Para os que estavam  lá, a culpa é do "Xandão" e não adianta explicar. Ninguém quer saber que as provas dos crimes cometidos saíram da boca do fiel escudeiro do capitão Jair, o coronel Cid. Gente amarga incapaz de se dobrar aos fatos, que não se importa de conviver com a mentira. (***)

(*) Na COPPE conheci e fui aluno do professor Luiz Pinguelli Rosa (1942/2022). Físico, professor e  pesquisador da UFRJ. Membro da Academia Brasileira de Ciências e ex-presidente da Eletrobrás. De aluno viramos amigos, sempre nos apoiou no Instituto IDEAL.    

(**) No meio da tarde do dia 10 de abril sai do Fundão mais cedo. A viagem levava uma hora até o centro e o coração batia forte. Quando desci na Candelária a multidão já estava aquecida. A capa do jornal O Globo do dia seguinte era "A cidade faz por Diretas seu maior comício".

(***) Durante a semana algumas polêmicas foram levantadas sobre o número de participantes no ato da Paulista. Não importa o número, o objetivo do encontro foi atingido: ter imagens para mostrar lá fora uma força que o capitão não tem mais.  

PS - Em relação ao ato do dia 25 na Paulista, a Universidade de São Paulo, a USP como é conhecida, fez uma pesquisa sobre o perfil das pessoas que estavam na manifestação. Os presentes são da ultra direita, sem vida política/partidária, são brancos, classe média alta, não valorizam a democracia, flertam com a ditadura e não mudam de opinião. Felizmente, segundo a pesquisa, representam uma pequena parcela da sociedade.